quinta-feira, 24 de maio de 2012

Bailarina, saudade de chumbo.

O dia estava daquele jeito chuvoso, como inúmeras vezes ela já havia vivido. Ela, agora crescida, evitava pensar em tudo aquilo que a menininha havia passado, mas não era algo que ela pudesse controlar. Nesses dias de chuva, de solidão, de ausências inúmeras, ela acaba por se render a saudade, pra sentada num canto qualquer, relembrar. Da doce sensação de deixar seu corpo fluir através de uma música, do desafio de ter passos bem marcados, da adrenalina as vesperas de uma apresentação. Tantas foram as vezes que ela reclamou dessa rotina, e agora, como que numa dessas armadilhas do tempo, estava ali sentindo falta daquilo. Ela que tantas vezes recusou uma xícara de café, se via ali desejando um pouco daquele pó forte, capaz de espantar essas lembranças de menininha. Lembrança. Do sabor amargo de um desafeto, e de como incomoda ver o outro sendo feliz com algo de devia ser nosso, e do tanto que esses desconfortos parecem bobos agora. A menininha já fora muito ciumenta, não é? Coisa boba de quem não sabe bem o que quer e sofre por ver que tem gente que sabe. Nesses dias de chuva, ela acaba sempre por tentar compreender todas as dores daquela menininha que ela já havia sido. Os inúmeros amores, as decepções, as ilusões, os amigos, os hábitos, os problemas que eram tão grandes, e que num passe de mágica - ou de tempo - se tornaram apenas cicatriz num coração que, por ser teimoso, insistia em encontrar um jeito de boicotar a calmaria da rotina de gente grande, pra se render a nostalgia das coisas de pequena. Bobagem. Como o doce enjoativo da vitrine da padaria, e de como simples metáforas podem marcar tanto uma menininha. Dos inúmeros suspiros, tristezas, e de toda a satisfação de saber que aquela pequena viveu, e viveu muitas coisas boas. Ela, como boa gente grande, não tinha pretensão de voltar ao passado pra viver tudo aquilo de novo, ainda mais tudo aquilo que foi dor, e hoje, só hoje, é lembrança. Mas nesses dias de chuva, é inevitável relembrar.

(Num desafio blogueiro simplesmente encantador.)

3 comentários:

  1. Quanto sentimento Má!
    Lembrei do Caio F.
    "(...)para sempre perdeu-se no momento em que cessou de doer, embora lateje louca nos dias de chuva".

    Nos dias de chuva é inevitável lembrar.

    Beijinho, MF.
    »Palavras e Silêncio

    ResponderExcluir
  2. Oi Marcela vim retribuir a visita e adorei seu blog, vc escreve muito bem. Parabéns!! vou voltar com certeza. Obrigada pelo carinho.

    bjs

    ResponderExcluir